Sierra Morena

Sim, eu confesso: é um diário. Ah, eu posso ser um pouco bobo se quiser, não é? Além do mais, não sei se alguém vê o que vejo no cotidiano. Vejo tanta coisa, qua faz pena deixar ir. Guardo então cá, essas impressões da minha vida. Afinal, uma aranha que parece jóia, é uma jóia de fato...

29.7.06

Primeiro registro...

Hoje quase que o tédio me mata. Apareceu na sala, com uma faca na mão. E disse assim: "Te mato!" Tentei fugir pro quarto, mas o tédio me seguiu. Os meus duendes se esconderam nas gavetas de cuecas. E fiquei sozinho, eu e o tédio. E ele sempre de faca na mão: "Te mato!"

E conjurando a lei de Talião (Olho por olho, dedo por dedo) ameacei o tédio de matá-lo. Disse assim: "Escuta cá, tédio. Não sei até quando ainda estarei aqui. É provável que não chegue aos 47. Daí não tente me tirar esse sábado. Se não fores daqui pra longe agora, te mato!" O tédio me olhou, espantado...

Daí vi que era do tédio acabar com meu dia. Meu sábado seria tedioso. Tinha que matar o tédio. Ou o tédio me levava daqui. "Te mato!"

Foi neste momento que sai. Numa esquina encontrei minha professora da quarta série, Zaninha. Me disse assim: "Ué? Se esqueceu das pessoas? Não fala mais com ninguém?" Cristo, fazem mais de quinze anos! Abraço e beijo... Não me lembro nem um pouquinho do rosto dela. Mas me lembro de duas coisas: um passeio em Arraial do Cabo, e das dunas. Lembro do passeio de barco, da praia cheia de mata (nem sei se isso é real). Lembro das coisas tristes do passeio também. Mas essas não quero que sejam reais. A segunda coisa que Tia Zaninha me lembra é uma visita a casa dela, eu e mais três colegas. Não me lembro que três outros colegas. Não me lembro de mais nada, além de num lampejo de coragem, ou fraquejo de timidez, ter dito que o carro de não sei quem perdeu o freio e quebrou o vaso da varanda da minha casa. Uma história totalmente desinteressante, mas que a minha professora ouvia, dando importância a ela. Dizem que isso é amor. E quem é professor, eu disse professor, sabe o que é esse gosto por sentir os alunos, querê-los. Me lembro de Arraial do Cabo e da história do vaso quebrado...

Matei o tédio. Numa esquina, o que é coisa de Exú. E pra evitar que o tédio voltasse, olhei o céu, vi as nuvens cinzas, e senti o vento frio bater em mim. Tão bom...